Quando decidi que queria aprender espanhol em outro país dei de cara com uma realidade muito comum para nós, jovens e recém formados: orçamento limitado. Isso me desanimou por alguns dias, pensava ‘onde posso ir com zero dinheiros?’. Um curso tradicional em outro país é caríssimo, além de tudo, precisa pagar hospedagem, alimentação e afins.

Eu já conhecia muitas plataformas que poderiam me ajudar a diminuir os custos do intercâmbio, mas a verdade é que eu tinha muito medo de arriscar, de me meter em furada, de fazer tudo errado, de ninguém gostar de mim e ser expulsa sem dinheiro em outro país e todas essas ‘loucuras’ que uma pessoa pode ter quando decide ir a outro país sozinha e com pouco dinheiro.

Mesmo com todas as limitações decidi que faria trabalho voluntário em troca de hospedagem e algumas alimentações em outro país, esse tipo de troca diminuiria muito o custo da viagem e eu poderia conviver diretamente com uma família local, conhecer o dia-dia, a cultura e, claro, praticar ‘na marra’ o idioma.

Nesse post, eu conto pra vocês sobre a minha experiência trocando trabalho por hospedagem no Chile, de janeiro a março de 2017.

Porque escolhi o Chile

Com pouco dinheiro e depois de cogitar México, Colômbia, Peru, Bolívia e Argentina eu finalmente me decidi pelo Chile. Escolhi o Chile por inúmeros motivos, entre eles: eu tinha milhas aéreas suficientes para cobrir o trecho de avião de Manaus a Santiago, ou seja, menos um custo, eu tinha amigos no Chile, qualquer coisa que pudesse dar errado eu teria a quem recorrer e, claro, eu era apaixonada por Valparaíso desde a minha primeira vez lá, em março de 2016.

Eu pensei muito antes de escolher o Chile por um motivo que deve ser levado em consideração: o sotaque chileno. Todos os dias eu tinha medo de não me adaptar, de não conseguir aprender devido ao forte sotaque e aos modismos na língua que os chilenos possuem, todas as pesquisas me indicavam Peru e Bolívia como o espanhol mais correto da América do Sul e, consequentemente, o melhor lugar para aprender.

Todas as vezes que estive no Chile antes de janeiro de 2017 eu me senti perdida, sabia que tinha algo que eu não conseguia entender na fala deles, mas a gente gosta é de desafio, não é mesmo?

Onde encontrar trabalho

Existem muitas plataformas que podem te ajudar a conseguir um trabalho em troca de hospedagem ao redor do Mundo e as mais populares são: Workaway, HelpX, Worldpackers, Woof. Em todas você encontra perfis de famílias, hostels, fazendas, restaurantes, ongs, instituições que buscam voluntários e oferecem, na maioria dos casos, hospedagem e alimentação durante o trabalho.

O Workaway oferece oportunidades em hostels, fazendas, ongs e casas de família. Já o HelpX o oferece mais oportunidades em casas de família e fazendas, o Worldpackers é mais voltado a hostels e o Woof é voltado para a permacultura, com muitas vagas em sítios, fazendas orgânicas e afins.

Para ter acesso às vagas e entrar em contato com os hosts você precisa criar um perfil e cada site cobra uma anuidade ou uma taxa de utilização, nada absurdo, coisa de menos de US$ 50 por ano. Super vale à pena se você colocar na ponta do lápis e ver o quanto gastaria em hospedagem por 5 dias, por exemplo.

A família com quem trabalhei em Valparaíso tinha perfil no HelpX, entrei em contato, combinei datas as datas e fui. Eu também tinha um acordo com um hostel em Valparaíso, dessa forma, passaria um mês e meio com a família e outro mês e meio no hostel, mas eu gostei tanto da família e eles gostaram de mim que decidi ficar só com eles e cancelei com o hostel. O hostel eu encontrei por indicação de uma amiga que trabalhou com eles, mas eles estão no Workaway e foram super bem recomendados pela minha amiga, por isso confiei e pedi trabalho pra eles.

Pré Requisito

Claro que para vagas específicas você precisa ter uma qualificação X, saber falar um nível Y de tal idiomar, ter tindo uma experiência Z, mas o principal requisito para conseguir uma vaga de voluntariado é querer ajudar.

Você pode encontrar vagas para fotógrafos, recepcionistas, designer, publicitários, babás, faxineiro e aquele “faz de tudo um pouco” em diversos tipos de lugares. Algumas vagas exigem inglês e espanhol fluente, mas a maioria exigem nível ao menos intermediário. Não faz sentindo trabalho voluntário exigir um currículo extenso, não é mesmo? A principal exigência é estar disposto a ajudar e, claro, se adaptar às circunstâncias.

Qual era o meu trabalho e o que estava incluso

Durante minha estadia de pouco mais de 2 meses com a família Gazmuri em Peña Blanca, região metropolitana de Valparaíso, eu ajudava com as coisas de casa, ajudava com as plantas, com a louça, com a limpeza da casa, com as crianças, fazia de tudo um pouco. Nós nunca chegamos a fazer um acordo sobre o horário, quando precisavam de mim me diziam e geralmente eles faziam o possível pra eu ter as tardes e os finais de semana livres. O trabalho era muito leve e às vezes até me sentia mal por fazer tão pouco e ainda tinha que dividir o pouco que fazia com uma outra viajante, alemã, que estava na casa pelo mesmo programa.

Durante todo o tempo que eu estava em casa, eu tinha livre acesso a tudo, poderia comer o que tivesse pra comer e sempre me trataram como um membro da família. Basicamente, quando eu passava todo o dia em casa eu tinha as três refeições, internet, água quente, tudo que eles tinham em casa. Lembrando que a casa era muito simples, os Gazmuri são uma família muito simples, mas muito viajantes, desde sempre, por isso gostam de receber viajantes em casa.

Desde o princípio me senti muito bem na casa deles e eles me incentivavam a trabalhar de forma remunerada também. Aos finais de semana eu vendia alfajor no metrô que é quase uma marca registrada da família, todos os filhos quando querem viajar vendem alfajor no metrô de Valparaíso para juntar dinheiro. Eles também me incentivaram a viajar pelo sul, quando suas filhas saíram de férias e me convidaram para ir junto viajando de carona, eles me deram toda liberdade e se puseram à disposição para a minha volta.

Os pais moravam em Peña Blanca que está a 40min em metrô de Valparaíso, mas a filha deles que já esteve na minha casa através do couchsurfing e nos tornamos grandes amigas, morava em Valparaíso, bem na área mais turística, geralmente, eles me diziam pra ir passar dias com a Pilar pra eu aproveitar também a maravilhosa Valparaíso. No final, eu tinha duas casas e tinha toda liberdade do mundo com a minha família chilena.

É claro que nem sempre as coisas vão ser assim, estou ciente que nas minhas próximas experiências eu posso ter que gastar mais com comida, trabalhar mais, posso encontrar pessoas mais fechadas, mas fico bem feliz que na minha primeira experiência eu tenha encontrado uma família tão maravilhosa que me acolheu tão bem e me ensinou tanto como os Gazmuri. Nos demos tão bem que desisti de ir trabalhar em um hostel e acabei ficando o tempo todo com eles, com minha família.

Dica: Acredito que dei muita sorte encontrando uma família tão flexível, por isso minha dica é sempre combinar tudo antes de embarcar, horas de trabalho, refeições, folgas, tudo antes de chegar no lugar pra ficar tudo certo e ninguém ter dor de cabeça, isso é muito importante. Com o pessoal do hostel eu tinha tudo combinado, ia trabalhar 5 horas por dia, cada semana em um turno diferente com 2 folgas por semana e com direito a café da manhã e uma cama em quarto compartilhado.

Como aprendi espanhol

Eu sempre fui muito ruim com o espanhol, lembro que em todas as viagens que fiz antes dessa eu deixava tudo nas costas do Fernando, não tinha coragem nem de pedir uma comida no restaurante. No meu segundo mochilão, pela Patagônia, que durou pouco mais de um mês, eu percebi que comecei a melhorar, que já entendia mais e já pensava em perder a vergonha. Voltamos de viagem e comecei a perceber que estava apaixonada pelo idioma, que queria devorar séries e filmes em espanhol.

Terminei a faculdade e decidi que não queria mais falar portunhol, que ia aprender e aí decidi ir pra algum país que falasse a língua. Fazer um curso era uma boa alternativa, mas era um investimento a longo prazo, eu queria aprender logo, rápido, urgente. Um curso levaria 3 ou 4 anos e viver em um país com a língua onde eu fosse obrigada a praticar seria muito mais rápido. Fui.

A minha primeira semana no Chile foi horrível, eu não conseguia entender quase nada, falava e não me entendiam, foi desesperador, principalmente pelo sotaque dos chilenos. Mas eu não desisti, eu meti a cara, ia ao supermercado, à feira, andava sozinha na rua, anotava todas as palavras novas que me diziam, perguntava como dizia tal coisa, como conjugava os verbos, escutava muita música latina e lia as letras enquanto escutava e assim eu fui aprendendo. No final dos 3 meses todo mundo me elogiava, dizia que eu tinha aprendido muito bem, mas eu ainda me sentia insegura e ainda era muito tímida.

Quando saí do Chile, depois de 3 meses, fui direto pra Espanha, passei um mês na Espanha e essa foi a minha prova de fogo. No primeiro dia na Espanha parecia que eu nunca tinha falado espanhol na minha vida, mas depois me adaptei à diferença de sotaque e comecei a falar sem parar, passei mais um mês falando com todo espanhol que via pelo caminho, aprendia mais palavras, me desprendia um pouco dos modismos chilenos e os espanhóis que conheci ficaram até surpresos por uma brasileira falar espanhol, pois segundo eles brasileiro só fala portunhol.

Confesso que fiquei muito feliz e satisfeita por ter conseguido aprender, depois que voltei de viagem eu decidi que vou me dedicar mais ao idioma e aprender mais gramática pra não esquecer tudo que aprendi nesse tempo. Se eu tivesse que escolher, de novo, entre um curso e viver num país que fala espanhol, sem dúvida, eu escolheria a viver em um país que fala espanhol.

Quanto gastei

As pessoas sempre me perguntam quanto gastei nessa viagem e eu nunca sei responder. Quando decidi ir eu não tinha nada, absolutamente nenhum real pra gastar, mas não desisti. Fiz rifa, promovi uma feijoada, vendi roupas, livros, séries, itens que colecionava, vendi tudo que dava pra vender.

Somando tudo, feijoada, rifas e a venda das minhas coisas eu consegui juntar R$2.300,00 e foi tudo que levei pra viagem. As passagens foram emitidas com milhas, pela Latam, o trecho de Manaus – Santiago custou 12.000 pontos multiplus e paguei apenas pouco mais de R$150,00 pelas taxas. Nesse caso, eu tinha passagem e R$2.300,00  para viver por 3 meses. Chegando em Valparaíso eu comecei a trabalhar vendendo alfajor no metrô e daí eu conseguia tirar uma boa grana, pra sair, passear, comer fora, guardar dinheiro pra viajar. Eu tenho muitas decepções comigo mesma, mas toda vez que lembro que fiz tudo que pude pra sustentar essa viagem bate um orgulho de mim mesma, foi uma das poucas vezes que não desisti facilmente do que eu queria, corri atrás e consegui.

Desde que comecei a viajar eu tinha um emprego e o dinheiro certo pra sustentar as viagens, mas dessa vez era diferente, eu não tinha nada e tinha que ir atrás se quisesse realizar. Nunca vou esquecer o quanto eu tremia a primeira vez que subi no metrô pra vender, mas também não vou esquecer os amigos ambulantes do metrô que fiz, o dia que o guarda me expulsou do vagão porque é proibido vender, os domingos depois de vender que corria pra comer sushi com minha companheira de venda, a viagem que sustentei com o dinheiro das vendas e o dia que chorei porque era minha última venda antes de sair do Chile. Valeu à pena.