Eu resolvi escrever esse post pra contar um pouco pra vocês como é a rotina de um peregrino durante o Caminho de Santiago. É claro que varia de pessoa pra pessoa, mas muita gente me pergunta “e o que vocês faziam?” e aqui está minha resposta.

Acordar – Café da manhã

Inicialmente, nos primeiros dias de caminhada, nós acordávamos às 5h da manhã para sair um pouco depois das 6h, nós não tínhamos noção de como seria o nosso desempenho, de quantas horas levaríamos para caminhar, no mínimo, 24 kilômetros, então saíamos antes do sol nascer. Com o passar do tempo, passamos a acordar às 6h para sair um pouco depois das 7h e chegávamos ao nosso destino entre 13h e 14h, quase sempre.

Ao acordar, a mochila já estava arrumada, era só trocar de roupa, tomar café da manhã que, na maioria das vezes, já era algo pronto, rápido e fácil de comer e sair. Muitas vezes, começamos a caminhar e não era dia, era escuro e, apesar de estar sempre acompanhada, eu sentia um pouco de medo. Mas nunca aconteceu absolutamente nada com a gente.

Se você é mulher e está fazendo o caminho sozinha, recomendo esperar o dia amanhecer ou sair com amigos. Infelizmente, em 2015, uma peregrina americana foi violentada e assassinada durante o caminho. É claro, que isso não é comum, que o caminho é 95% seguro, mas pessoas más estão em todo lugar.

Caminhar

As primeiras horas de caminhada sempre são as mais produtivas, aquelas que você consegue percorrer a maior distância em menos tempo, de 7h às 9:30 era tranquilo para caminhar, mas depois das 10h já começava a bater o cansaço, a preguiça, a fome.

Nossa intenção nunca foi fazer o caminho correndo, pelo contrário, caminhávamos no nosso ritmo, sem pressão nenhuma, com quantas paradas sentíssemos necessidade. Geralmente, parávamos às 10h para um lanche, comíamos alguma fruta, biscoito ou bolinho e  às 12:30h parávamos para o ‘almoço’, um baita de um sanduíche com queijo, presunto ou atum e maionese, um chocolate para dar uma energia final e seguíamos para o nosso destino.

Lembro que alguns companheiros saíam depois da gente pela manhã e chegavam muito antes da gente pela tarde, era como se estivessem correndo, caminhavam muito rápido e com pouquíssimas paradas. Nas etapas finais, esses mesmos companheiros estavam destruídos, o corpo não respondia mais e tinham um ritmo muito inferior que o nosso, chegavam aos albergues quando já estávamos limpos, arrumados e saindo para comprar comida.

É claro que isso não é uma corrida, mas você precisa saber que o seu corpo não é de ferro, que você não vai aguentar um ritmo muito forte de caminhada por muito tempo. Cada um faz o que quer com o seu corpo, mas é preciso cuidar e ficar atento aos sinais de desgaste.

Além do mais, o caminho é lindo, é a coisa mais linda sentar embaixo de uma árvore e olhar a paisagem por um tempo, parar pra fotografar, pra tomar uma água, pra tomar uma cerveja em um dos pequenos povoados. Não tem necessidade alguma de fazer correndo.

Chegada ao Albergue – Banho – Lavar Roupa

Depois de caminhar, em média, 25kms por dia, nós chegávamos ao albergue do dia entre 13h e 14h. Os albergues abrem, geralmente, depois das 13h, ou seja, chegar mais cedo só nos faria ficar esperando na frente.

Ao chegar no albergue, a primeira coisa a ser feita era um bom banho. Depois de limpos e arrumados, a pior parte do dia: lavar roupa. Você tem que fazer isso logo depois que sair do banho por dois motivos: a preguiça vai falar mais auto depois e é bom aproveitar o sol pra secar.

Nós lavávamos as roupas nos tanques, que era grátis, quase todos os dias lavávamos apenas roupas íntimas, as meias e a camisa de caminhar. Uma vez por semana nós pagávamos a máquina pra lavar as roupas de frio, era um sonho quando ia tudo pra máquina hehe.

Sair pra conhecer a cidade – fazer compras

Limpos e com roupas lavadas, nós sentávamos, fazíamos contato com a família e descansávamos um pouco, conversávamos com os amigos. Às vezes eu até tirava uma soneca, morta de cansada, era muito fácil deitar e dormir. O único problema de dormir à tarde era que eu demorava pra dormir à noite. Nesse intervalo, nós comíamos algumas besteiras que sobravam da caminhada, sempre sobravam frutas, chocolates e salgadinhos e isso era o que nos sustentava até o jantar.

Importante: Pelo horário que chegávamos ao albergue, nem que quiséssemos poderíamos cozinhar. Na Espanha, o comércio todo fecha às 14hs e só começa a reabrir às 17hs, é a chama siesta. Nossa única alternativa era beliscar o que sobrava, até que os mercados abrissem novamente. É muito importante que você lembre disso para que não seja pego de surpresa.

Por volta das 16:30h, geralmente, nós saíamos e conhecíamos as cidades ou povoados. Algumas cidades eram maiores como Léon, Burgos, Astorga e essas mereciam um pouco mais de tempo e disposição para conhecer, mas no geral, eram pequenos e charmosos povoados, com poucos habitantes. Eram passeios bem agradáveis.

Em Astorga e Léon estão 3 obras de Gaudí, famoso arquiteto catalão, são suas poucas obras que estão fora de Barcelona e claro, são muito procuradas pelos visitantes. Em Burgos, a catedral que é belíssima também é muito visitada. Nos pequenos povoados, saíamos para ver as construções, observar os locais e relaxar um pouco.

Por coincidência chegamos a Léon na sexta-santa, viernes santo em espanhol, e a cidade estava lotada. Uns dias antes descobrimos que a semana santa é muito tradicional na Espanha e que León possui as maiores procissões e celebrações. Foi um pouco de sorte estarmos na Espanha nessa época e foi muito legal conhecer suas tradições.

Depois de conhecer a cidade saíamos em busca do supermercado mais barato. Os amigos peregrinos já nos conheciam e sabiam que erámos os ‘maníacos de supermercado’ e como chegavam antes que a gente, já nos davam as dicas de onde encontrar as coisas mais baratas. Fazíamos nossas compras e íamos cozinhar.

Comprávamos de uma vez o jantar do dia e a alimentação para o dia seguinte (café da manhã e lanches). Nós já saíamos pela manhã carregando tudo que íamos comer durante o dia por um motivo: medo de não encontrar supermercado nos povoados menores. Em povoados pequenos só encontraríamos pequenos comércios que venderiam lanches a um preço mais elevado ou, pior, não encontraríamos nada, apenas bares e restaurantes e seríamos obrigados a gastar mais que o planejado.

Uma das coisas que mais me chamou a atenção durante o caminho foram os diversos pontos de troca. Em diversos pontos tinha um lugar que oferecia frutas, água, lanches por doações, você pagava quanto você achava que valia. Sempre que eu via um lugar desses eu queria parar e comer porque era incrível a ideia e eu sempre pensava na pessoa que fez aquilo, uma pessoa boa e que confiava em vários estranhos. Coisas do caminho <3

Nossa dica, caso você não esteja no nível hard de economia, é lanchar durante o caminho. Sempre vai haver um bar/café/restaurante onde você pode comer alguma coisa, assim poupa carregar peso na mochila. Em qualquer lugar você pode comer um sanduíche, bocadillo em espanhol, e ficar super satisfeito por, no máximo, 4 euros.

Cozinhar – Jantar

Cozinhar era cansativo, mas era necessário. Cozinhávamos quase todos os dias, nos dias que não dava pra cozinhar, colocávamos uma pizza no forno ou comíamos um sanduíche, sempre focando a economia. Depois de cozinhar tínhamos que comer e deixar tudo limpo, a pior parte era lavar a louça.

Muitas vezes, nós dividíamos o jantar com os amigos, assim todo mundo economizava, todo mundo comia bem e todo mundo se divertia, era muito bom compartilhar esses momentos com eles. Formamos um grupo muito bom e fomos muito felizes juntos.

Arrumar a Mochila

Antes de deitar precisávamos arrumar tudo, deixar tudo organizado para partir de manhã. Todos os dias era o mesmo ritual, tira as coisas da mochila, coloca as coisas na mochila, deixa fora só o que vai usar pra dormir, arruma pra não perder tempo de manhã. O primeiro dia depois do caminho que não precisamos fazer isso foi estranho.

Dormir

Dormir era fácil. Normalmente, às 22hs eu já estava caindo de sono, dormia como um bebê de tão cansada. Acordar era difícil, todos os dias era um sacrifício enorme acordar, pisar no chão com todas as dores musculares, com toda a vontade de dormir mais um pouco, mas ao mesmo tempo era gratificante ver que estávamos conseguindo e cada dia estávamos mais perto.

Ao acordar começávamos novamente a rotina que foi nossa por 30 dias incríveis, que jamais serão esquecidos e que marcaram nossa história.

Buen Camino!