Sempre que alguém me pergunta “Por que fazer o Caminho de Santiago” eu fico como aquele emoji que revira os olhinhos no whatsapp, mas no momento seguinte eu fico eufórica querendo contar como foi a experiência na tentativa de fazer a pessoa entender meus motivos e entender, de uma vez por todas, que não existe um único motivo ditado por uma única pessoa.

Cada um faz o caminho por um motivo diferente, cada um faz porque acredita em algo diferente, porque quer algo diferente. Uns fazem porque gostam de esporte, outros porque gostam de aventuras, outros porque é uma viagem barata, outros porque querem se conhecer e testar seus limites, enfim, são inúmeros os motivos que levam as pessoas ao caminho.

Quando estávamos em Logroño, a Etapa 4 do nosso caminho, eu descobri porque eu estava fazendo aquilo e descobri da forma mais simples possível, quando Juan Ramon se aproximou e me disse que estava ali pela décima quinta vez, para escrever um diário para o seu melhor amigo, que já não estava entre nós.

Compartilho com vocês, um dos textinhos que escrevi sobre o caminho no bloco de notas, escrito em 1 de abril de 2017, em Logroño, 20 minutos após conhecer Juan Ramon, uma das pessoas que marcou o meu caminho.

Logroño, Etapa 4, 01/04/2017

“Hoje é a primeira vez que sinto vontade de escrever sobre o caminho, talvez porque ao longo desses 4 dias eu estivesse me concentrando em me adaptar física e mentalmente ao caminho, a me manter firme. Talvez porque eu ainda não tivesse passado por um dia tão difícil como hoje. Vinte e oito kilômetros de uma só vez, a maior distância que já percorri caminhando em um único dia. Frio, chuva, sol, fome, sede, dores, muitas dores.

Chegamos a Logroño exaustos, mas na entrada da cidade já ficamos encantados com a ponte centenária que tivemos que cruzar para chegar ao albergue. Uma ducha e duas pizzas depois e eu já estou pensando no dia seguinte, que serão 31kms de pura subida até Nájera. Li tudo que tenho que fazer para chegar lá e, enquanto lia e contratava o serviço de transporte de mochila por 5euros até a próxima cidade, um senhor (+80 anos) se aproximou e perguntou para mim e pro Fernando “por que estão fazendo o Caminho?”

Como se não bastasse todas as dores acumuladas eu ainda tenho que lidar com uma pergunta tão difícil, não é mesmo? (A conversa me motivou a escrever). Ele não nos deu tempo de responder e já saiu dizendo “eu já fiz 15 vezes, amanhã começo outra vez e faço porque é bonito, porque eu gosto”. É claro que também estamos fazendo porque é bonito e porque a gente gosta desse tipo de aventura, mas é claro que dentro de cada um de nós existe uma motivação diferente e talvez a gente só vá descobrir mais para frente ou talvez nem descubra.

Juan, que já fez o caminho 15 vezes, me disse, em dez minutos de conversa, que tudo que queremos é possível conseguir, basta querer. Basta querer? Eu mal consigo levantar da cama, mas eu quero muito completar os 31kms de amanhã e, olhando pro Juan, falando com leveza que basta eu querer eu não sei se me desespero ou se me motivo.

Senti vontade de perguntar porque, afinal, ele já tinha feito esse percurso tantas vezes, mas é bem verdade que meu espanhol latino ainda não se adaptou com o espanhol do velho mundo. Espero que nos encontremos nas próximas etapas para que eu possa fazer mais perguntas.

Antes de terminar a nossa conversa, Juan nos disse “eu vim pelas pessoas, para fazer amigos” e eu tô com isso na cabeça até agora. Porque pessoas me interessam muito mais do que pontos turísticos, pessoas me interessam e me inspiram. Espero que a gente se encontre nas próximas etapas pra que eu possa contar pra ele como eu me sinto.”

Nunca tive a oportunidade de dizer a ele, mas um dos motivos pelos quais acordava às 5 da manhã e saía caminhando em direção a Santiago de Compostela era pelas pessoas, por pessoas como ele, que acreditam em outras e inspiram. Imagina só 82 anos e já fez o Caminho 15 vezes? Juan é meu ídolo!

Pode ter sido a última vez dele no caminho, ele estava fraco, cansado e triste, sentia muita falta do seu melhor amigo e da sua filha. Fez muitos amigos. Saindo Logroño até o dia que nos separamos, Juan se dedicou a contar histórias, tomar cerveja e comer a minha comida. Juan me tratou muito bem todos esses dias e me enchia de elogios pela comida que eu cozinhava, com tanto carinho, naqueles dias no caminho.

Juan só falava espanhol, mas tinha amigos de todos os países, nos contou sobre sua vida, sobre sua filha, sobre seu capitão que foi seu melhor amigo e com quem fez o caminho tantas vezes, nos contou sobre a vida de jovem e dividiu muita cervejas conosco. Conhecer o Juan foi um dos maiores presentes do Caminho de Santiago.

Eu nunca mais vou ver o Juan, mas sempre quero lembrar das suas histórias e do quanto a gente se divertiu naqueles dias, do quanto ele foi generoso com a gente, do quanto ele era generoso com qualquer pessoa, do seu anarquismo, da sua filosofia de vida simples e admirável e do quanto ele acreditava nas pessoas, do quanto ele queria estar sempre rodeado por pessoas boas.

Hoje, eu sei que estive ali pelo Juan, pela Renata, pela Rocio e pelo Lukas, pelo Eddie e pelo Vincent, pelo Manuel e pela Angeles, pela Mexicana, pela Molly, pela Dani, pelo Anderson e pela Mariani, pela Trine, pela Guapíssima, pela Doidinha, pelo Fernando que dividiu esse sonho comigo de uma forma tão generosa que eu nunca vou conseguir explicar, mas principalmente por mim, porque eu precisava estar e viver aquilo tudo com todos eles. Costumo dizer que em Santiago de Compostela eu apenas parei de caminhar porque o caminho nunca termina =)

Buen Camino!